Mais do que “modinha”, a invasão de motores de três cilindros no mercado automotivo brasileiro — onde o padrão, há até pouco tempo, era ter motor com quatro cilindros — é uma necessidade dos novos tempos. Com o novo regime automotivo (Inovar-Auto), implantado a partir de 2012, cobranças cada vez maiores são feitas a modelos e seus fabricantes. Nesse caso específico, é preciso que os novos veículos andem mais consumindo menos combustível — o que de quebra reduz a poluição. Retirar um cilindro dos motores 1.0 — ainda maioria entre os novos carros, ainda que o percentual caia — foi a solução encontrada para reduzir peso e consumo, a baixo custo.
Pelas regras do Inovar-Auto, até 2017 o consumo médio de todos os carros vendidos por cada marca deve ser de 17,26 km/litro, no caso da gasolina. A meta cai a 11,96 km/litro com etanol no tanque. Na ocasião do anúncio, em outubro de 2012, UOL Carros apontou que mesmo os 17 carros mais econômicos de oito fabricantes (Fiat, Ford, Honda, Kia, Peugeot, Renault, Toyota e Volkswagen) passavam bem longe da meta estabelecida.
O lado bom do aplicação de motores de três cilindros com de tecnologias atuais está em aliar a economia de combustível (e redução de emissões) sem perda de potência. Ou seja, o estigma do “motorzinho de dentista” tende a ficar para trás.
“É uma medida que pode reduzir o peso em até 25%, com ganhos também em relação ao atrito interno. Tudo isso se converte em gasto mais moderado do combustível”, explicou o especialista em engenharia automotiva e colunista de UOL Carros, Fernando Calmon.
CASO PENSADO
É claro que simplesmente retirar um cilindro do projeto não é o bastante. Devido à natureza de um propulsor com número ímpar de cilindros (que tende a gerar muita vibração), a arquitetura precisa ser inteiramente repensada, a fim de amenizar todas essas asperezas. No caso das novas unidades 1.0 usadas pelos compactos brasileiros de Ford (Ka), Volkswagen (up! e Fox Bluemotion) e Hyundai (HB20), itens como coxins, sistema de escapamento e controlador da marcha lenta foram reformulados.
Deu certo: além de mais potentes e econômicos, os três-cilindros dessas marcas apresentam níveis bastante aceitáveis de vibrações. Tanto é assim, que o HB20 é um dos maiores sucessos do país, e o Ka tende a entrar rapidamente na briga. O up! é um caso à parte, mas com certeza o motor MSI não é o culpado pelo volume de vendas abaixo do esperado.
Em termos técnicos, foi a Ford quem encontrou a melhor fórmula momentânea: o 1.0 TiVCT Flex é o 1.0 mais potente produzido no Brasil — rende 80/85 cv e 10,2/10,7 kgfm, respectivamente com gasolina e etanol –, e também o mais econômico, segundo o Conpet (programa de etiquetagem veicular do Inmetro) — faz 8,9/10,4 km/l com etanol, e 13/15,1 km/l com gasolina, sempre na ordem respectiva cidade/estrada.
O segredo da Ford para chegar a esses índices foi aliar o motor eficiente a itens como direção elétrica, que sozinha representa um ganho médio de 3% no consumo. Como ponto negativo, é preciso destacar que o propulsor ainda é usinado com bloco de ferro, enquanto as concorrentes Volks e Hyundai já adotaram o de alumínio, mais leve. A opção, feita muito provavelmente por corte de custos (embora a Ford negue isso de pés juntos), não comprometeu o desempenho do Ka por enquanto, mas deixou o motor mais próximo do limite de desenvolvimento que os das rivais.
VAI VIRAR PADRÃO
Várias montadoras ainda usam motores de quatro cilindros no Brasil, tenham eles dois ou quatro válvulas por cilindro (8 ou 16V): Fiat (Uno e Palio), GM (Onix e Prisma), Nissan-Renault (Clio, Sandero, Logan e New March) e a própria Volkswagen (com o TEC EA111 de Gol e Fox). Não se espante, contudo, se os três-cilindros monopolizarem o mercado dos “motores mil” em um futuro próximo.
“É a tendência inevitável. GM e Fiat se deram mal por não terem apostado antes nessa vertente e já estão correndo atrás”, aponta Calmon.
A GM, aliás, merece um parágrafo: apresentou, em 2012, um compacto baseado em plataforma totalmente nova, o Onix. Sob o capô, porém, se limitou a reformar seu motor de quatro cilindros: reduziu o atrito de componentes e adotou o sobrenome SPE/4. Ficou isolada e distante das metas de consumo — a marca, aliás, não costuma colaborar com o programa de medições do Inmetro.
No começo deste ano, o presidente da marca, Marcos Munhoz, comentou o caminho adotado pelas rivais e tentou justificar a escolha da GM: “Com as novas cobranças por eficiência, é natural que as montadoras busquem soluções e a bola da vez parece ser a dos motores de três cilindros, que são menores e por isso consomem menos. Pode ser modismo, pode ser uma saída, mas nós temos nossas próprias propostas”, afirmou em entrevista a UOL Carros, durante o Salão de Detroit, nos Estados Unidos.
Fato é que, em breve, os velhos quatro-cilindros darão seus últimos suspiros de competitividade em um ou outro quesito. O Hi-Power da Renault, por exemplo, apresenta bons números de potência e torque (77/80 cv e 10,2/10,5 kgfm, respectivamente com gasolina e etanol) quando equipado no Sandero e Logan. Já no caso do Nissan March, a mesma usina é recalibrada para melhorar o consumo e a emissão de CO2, mas tem seu desempenho limitado a 74 cv.
PRÓXIMOS PASSOS
Também é elementar que o desenvolvimento dos motores de três cilindros não vai parar onde está. E pode anotar: as próximas tecnologias a serem embarcadas serão o sistema de injeção direta e o turbo.
A expectativa é que, especialmente com a inclusão de turbocompressores, os pequenos tricilíndricos possam chegar perto dos 150 cavalos de potência daqui a alguns anos.
O exemplo vem de fora. É este o passo dado, na Europa, pela Ford e seu EcoBoost 1.0 usado para gerar 125 cv nas versões turbinadas de Focus e EcoSport. Antes, a Mercedes-Benz já usava turbo no pequeno motor tricilíndrico do smart: são 84 cv de potência extraídos do motor turbo que só entra na conta do 1.0 com arredondamento (tem 0,9 litro) — sem sobrealimentação, a potência cai a 71 cv.
Tudo isso tende a abrir o leque de opções de uso destes motores e de opções para o consumidor ligado em eficiência. “Serão motores usados em modelos de maior valor agregado, como SUVs compactos”, prevê Calmon.
Fonte: UOL Carros